O Acalanto.Com mais uma vez muda o rumo da prosa, pois, mesmo partido, o coração ainda pulsa. Desta vez, movido não pelo amor romântico, avassalador, mas pelo amor puro e generoso, pelo amor livre pela vida e, sobretudo, pelo próximo.
Estamos falando daquele próximo que nos antecedeu. Aquele grupo de pessoas que hoje compreende 8,6% da população do país, cerca de 14,5 milhões de acordo com o Censo 2000 do IBGE: os idosos.
Envelhecer é o processo natural pelo qual todos deveriam passar, contudo é tão incerto quanto viver. Apesar de sabemos que a expectativa de vida da população brasileira aumentou na última década, a partir dos avanços técnicos, especialmente na área da saúde, acreditamos que muitas pessoas não chegam a experimentar essa fase: são os infortúnios da vida.
O poeta gaúcho Mário Quintana, no auge de sua "madura terceira idade", escreveu: "velhice é quando um dia as moças começam a nos tratar com respeito e os rapazes sem respeito nenhum". Entendo que essa frase do Quintana reflete a posição do velho, idoso na sociedade. Poderíamos pensar apenas no tratamento oferecido ao idoso, contudo, o poeta me faz pensar para além. Ele realça a passividade de sua condição de velho, revelando assim, sua fragilidade e dependência.
Para muitos envelhecer é um processo doloroso marcada pela ausência de vida e reforçado pela representação social da velhice construída no decorrer dos tempos. Cecília Meireles evidencia esse pensamento em seu poema "Retrato".
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Linda a reflexão lírica que Cecília realiza a partir do estranhamento de sua aparência, das alterações em seu próprio corpo e da maneira de sentir o mundo: "eu não tinha esse coração que nem se mostra".
De fato, o idoso representou durante muito tempo, e em alguns casos ainda representa o grupo improdutivo, sem força, incapaz. Observamos isso pelo abandono, pela falta de respeito ou até mesmo pela super proteção das famílias que impedem os idosos de realizarem tarefas como as de rotina, por exemplo.
Entretanto, em tempos que a sociedade (os grupos que a compõe) clama pela justiça social, igualdade, respeito e dignidade é instituído o Estatuto do Idoso destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
Art. 2.º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3.º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
Ao ler alguns artigos do Estatuto do Idoso e pensar na situação de muitos velhos hoje, lembrei de meus estudos sobre as sociedades sem escrita, nas quais o conhecimento era passado oralmente pelos membros mais velhos. Herdamos essa cultura e qualquer um que seja maior de 30, acredito eu, ainda se lembra das coisas que a vovó dizia.
Assim, em respeito aos mais velhos e a cultura oral que trago para este espaço as palavras de Seu José Fajardo. Pai, tio, avô, bisavô que aos 83 anos curte as dores e as delícias da velhice. Em uma visita a Seu Zé ,que acabara de sair do hospital afetado por uma pneumunia, rimos, nos emocionamos e ouvimos a voz da experiência. Para alguns pode parecer bobagem, mas para Seu Zé, ser ouvido, respeitado e ter seus versos postados nesse blog fez e faz uma grande diferença. Ele dizia:
A vida é mesmo assim
Tudo tem fim
Tem que se conformar
Não se lamentar
Abre seu coração
Tem no jardim uma flor
Ontem foi botão, hoje já murchou.
Seu Zé
E, para encerrar esse post, lembremos de Olavo Bilac que como uma árvore velha, bela e forte, nos agasalha com seus versos mostrando as alegrias da velha idade.
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores moças, mais amigas,
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres da fome e de fadigas:
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo. Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem,
Na glória de alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
Essa postagem segue em memória de minha avó que faleceu aos 92, de meu pai que aos 73 anos, de minha tia Mima aos 78 e para minha mãe que tem 74, minha tia, 76 anos e meu tio e padrinho, 83 anos. Obrigada a todos vocês por ainda existirem na minha vida.